quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Acessibilidade e Inclusão

Acessibilidade e Inclusão


"A acessibilidade é um direito, não um privilégio"
 William Loughborough


Assim que Pedro foi diagnosticado percebi que a luta pela inclusão seria constante em todo seu processo de escolarização. Logo que iniciou o ano letivo de 2016 percebi que esta não será uma tarefa fácil. A professora do ano anterior já estava acostumada com o Pedro. Sabia lidar com ele, fazia adaptações nas atividades para toda a sala para que ele pudesse participar. Porém, a nova professora sabia apenas seu nome. Na primeira semana de aula, quando íamos buscá-lo na escola, constantemente o encontrávamos deitado no chão da sala, sozinho. A esperança de que isso iria mudar acabava conforme o tempo ia passando. De cabeça quente, cheguei a pensar em tirá-lo da escola, em brigar com a professora e com a coordenadora. Eu atribuía o fato de o Pedro estar isolado na nova sala de aula à falta de vontade e iniciativa da professora. Porém, após esfriar a cabeça Era preciso apresentar o Pedro para ela e assim o fiz. Conversamos, eu, a professora e a coordenadora por mais de uma hora. Após a conversa, as aulas mudaram, assim como a atitude e a interação da professora, e tudo Pedro começou a participar das aulas novamente, mesmo que com suas limitações. Esse processo foi extremamente importante para meu amadurecimento, para que eu percebesse que seria uma função constante minha brigar pela acessibilidade, já que recorrentemente vamos nos deparar com o desconhecimento por parte dos profissionais.

Quando falamos de acessibilidade logo nos vem em mente adaptações voltadas a deficientes físicos, como as que permitem o acesso a espaços públicos, como por exemplo elevadores e rampas de acesso. Porém, acessibilidade é muito mais do que uma mera modificação no espaço físico. Acessibilidade é algo muito mais amplo e envolve, inclusive, aspectos metodológicos e atitudinais. Acessibilidade pode ser definida como

“possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”. (Lei nº  10.098, de 19 de dezembro de 2000).

Existem diferentes tipos de acessibilidade. A acessibilidade arquitetônica visa promover a autonomia física das pessoas com deficiência; a acessibilidade comunicacional busca gerar uma melhoria na relação interpessoal do indivíduo com deficiência; a acessibilidade metodológica que defende que barreiras nos métodos de estudo devem ser substituídas por técnicas e adequações que facilitem o aprendizado, mudanças nas relações comunitárias ajustadas para o melhor convívio em sociedade, apropriar equipamentos eletrônicos e métodos de trabalho para garantir a inserção no mercado de trabalho; a acessibilidade instrumental, relacionada às mudanças e adequações de alguns objetos, como por exemplo utensílios de trabalho e de estudo; a acessibilidade programática, ligada à ação das políticas públicas que regulamentem a igualdade social entre a comunidade e as pessoas com deficiências e por último, mas não menos importante, a acessibilidade atitudinal, relacionada ao convívio das pessoas em sociedade, que possibilita a relação social e interpessoal de todos os tipos de pessoas, sem distinção ou preconceito.

No caso do Pedro, meu filho, não é um trabalho fácil mostrar às pessoas e a sociedade que precisamos promover a acessibilidade para ele. Afinal de contas, sua deficiência não é aparente, não salta aos olhos. Não raramente me deparo com quem duvide que ele seja autista por não dar para comprovar a olho nu. “Ele não parece ter nada”, “ele é uma criança tão bonita”, ”mas ele é tão inteligente”. Frases como estas, carregadas de preconceito, não são raras em nosso dia a dia. E a deficiência teoricamente invisível, ou camuflável, do Pedro às vezes dificulta pensar em ações de acessibilidade que efetivamente garantam sua inclusão, principalmente no ambiente escolar.

Para que haja a inclusão do Pedro é necessário garantir, principalmente, a acessibilidade dos tipos metodológica e atitudinal no ambiente escolar. É preciso que as professoras adaptem suas práticas utilizando um desenho universal, evitando que ao invés de inclusiva a ação seja exclusiva. A importância da rotina, a necessidade de antecipar ações, a entonação e o modo como uma atividade será apresentada, a necessidade de ilustrar com figuras e exemplos, o emprego de frases curtas e diretas, o uso de vocabulário mais simples, o cuidado com o uso de som muito alto, são exemplos de adaptações metodológicas extremamente importantes para o Pedro. Para que se tenha acessibilidade metodológica é preciso que haja diversificação curricular, flexibilização do tempo e a utilização de recursos que privilegiem a aprendizagem de estudantes com deficiência. É imprescindível que se diversifique as metodologias utilizadas, mas se bem empregadas, podem trazer bons resultados para todos os alunos, com e sem deficiência.

Porém, garantir a acessibilidade metodológica para o Pedro, apenas, não implica sua inclusão. A maior preocupação de uma mãe é justamente com o aspecto emocional do seu filho, com seu bem-estar: Ele está feliz? É aceito pelo grupo? Os amigos respeitam? Nesse sentido minha outra preocupação é com a efetivação da acessibilidade atitudinal.  A barreira atitudinal é, com certeza, a mais difícil de ser vencida e é, provavelmente, a mais prejudicial à inclusão das crianças com deficiência na escola. O ambiente escolar não está imune a atos discriminatórias e a falta de informação de alunos, pais e principalmente professores e gestores. A desinformação, ainda nos dias de hoje, é muito grande. Temos que lutar para que a escola, de modo especial, seja um ambiente que prime pelo respeito à diversidade.

Tenho consciência de que sou responsável, de algum modo, pela formação das professoras do meu filho. Como primo por sua felicidade e por sua inclusão, sei que minha presença na escola deve ser constante. Não posso esperar que as professoras por si só consigam elaborar estratégias para lidarem com o Pedro. A maior especialista em uma criança deficiente é sua mãe. Nós, mães, construímos ao longo dos anos um imenso conhecimento sobre como lidar com nossos filhos, o que eles gostam, como eles aprendem... É preciso que esse conhecimento seja compartilhado com as professoras. Não estou, de maneira alguma, eximindo a escola e os profissionais de educação de buscarem formação e atualização profissional na área da Educação Inclusiva, que é uma necessidade atual e constante em todas as escolas. Apenas estou reconhecendo meu papel na escolarização do meu filho. É importante que aconteça um trabalho em conjunto. Pais, terapeutas, professores e coordenação precisam manter diálogo e parceria para que, juntos, elaborem a uma melhor estratégia para o desenvolvimento do estudante.

No meu caso a missão é dupla: como mãe, na formação do Pedro e como professora, na formação de meus alunos, futuros professores. Espero, de algum modo, que minha experiência mostre para outros pais a importância da parceria entre família e escola e que contribua na formação de professores inclusivos, que assumem a responsabilidade pela garantia de acessibilidade como uma das vertentes mais importantes de seu trabalho.

#PraCegoVer Desenho representando um grupo com oito crianças, entre meninas e meninos, acenando felizes, dentre elas um cadeirante, um com mobilidade reduzida e um cego. Todas crianças possuem diferentes fenótipos: umas loiras, outras negras; umas altas, outras baixas, umas mais magras, outras menos.




Imagem disponível em: <http://www.novoshorizontesfm.com/img.content/noticias/noticia1255.jpg> Acesso em nov. 2016.