segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A Busca pelo Diagnóstico

Novembro de 2014. Fui chamada formalmente a uma reunião na escola para falar do meu caçula, Pedro, de apenas 2 anos e meio de idade. Toda mãe sabe a angústia que este convite gera. Ninguém está preparado para ouvir de um estranho que seu filho não se desenvolveu como o esperado, que está muito aquém dos demais da sala, que não corresponde a tarefas teoricamente fáceis, como responder quando é chamado. Durante a reunião, não consegui falar muita coisa. Aquele famoso nó na garganta me impedia. No caminho de casa, o carro foi meu confidente.  Aliás, não há melhor ouvinte. Chorei, me culpei, comecei a tentar achar os reais culpados, como se existissem. Rezei. Ao chegar em casa e falar com minha mãe, a notícia que no fundo nem era tão imprevisível, nos levou a um silêncio profundo. Infinito por alguns instantes. Minha mãe preferiu se agarrar ao fato de que Pedro era mais devagar. Eu, porém, sabia que tinha algo além de um simples atraso no desenvolvimento. 

Passei por um período de luto e recaídas. A todo momento eu ficava me perguntando se poderia ter feito algo diferente. Me lembrei que ao primeiro sinal realmente visível, o atraso motor, procurei sua pediatra e relatei que aos nove meses Pedro ainda não sentava com firmeza, não rolava, não arriscava a se arrastar. Ela tentara me acalmar justificando que cada criança se desenvolve com uma velocidade, porém, percebendo minha preocupação acabou por indicar fisioterapia para acelerar o desenvolvimento motor do Pedro. Após uns dois meses de fisioterapia, ele já sentava com mais firmeza, rolava e ensaiava engatinhar. Continuamos a fisioterapia até que ele desse seus primeiros passinhos, o que aconteceu por volta de 1 ano e meio. Quando a fisioterapeuta o liberou, ela disse que era “claramente falta de estímulos” e que agora Pedro andaria. Naquele momento, embora aliviada, me senti muito culpada. Dei ao Pedro os mesmos estímulos da irmã: eu ficava no tapete incentivando-o a pegar brinquedos, o deixava no chiqueirinho para que tivesse autonomia em levantar, sentar e ensaiar os primeiros passinhos... Mas tudo bem! Talvez ele precisasse de mais do que a irmã e eu não havia me atentado. Essa frase da fisioterapeuta nunca saiu da minha cabeça.




A sinalização dada pela escola foi o “start” que eu precisava para escolher entre “tampar o sol com uma peneira” ou descobrir por que Pedro era diferente. Nunca me senti confortável em falar que ele tinha “suspeita de autismo”. Parecia que ele estava sob ameaça de ter alguma doença. Autismo não é doença. Não é algo que se pegue e que se cure! Eu precisava que alguém tivesse coragem de diagnosticar o Pedro para lutar para que as pessoas o aceitem e o respeitem como ele é. Comecei então a busca pelo diagnóstico. 

Procurei novamente a pediatra que nos indicou passar por um neuropediatra e por um psicólogo Infantil para investigarmos o atraso no desenvolvimento psicomotor do Pedro. Na primeira consulta, a neuropediatra não trocou uma palavra com o Pedro. Sequer encostou nele. Deu apenas pedidos para tomografia computadorizada, exames de sangue e urina e cariótipo. Na consulta de retorno levei os exames que nada constataram. Ela então fez os exames clínicos de rotina com o Pedro e disse que ele ainda era muito novo para dar um diagnóstico. O ideal seria esperar ele completar cinco anos para fechar um diagnóstico certo. Questionei a ela o fato de o Pedro ter, na ocasião, dois anos e meio. Eu me recusava a ficar esperando de braços cruzados até que ele completasse cinco anos para começar a agir. Eu não perderia dois anos e meio da vida do meu filho! Eu sabia que este tempo seria muito importante para o desenvolvimento dele. Ela, vendo minha angústia, indicou então começar acompanhamento com terapeuta ocupacional e fonoaudiologia, pois, segundo ela, estas intervenções mal não fariam.

Enquanto fazíamos os exames pedidos pela Neuropediatra, Pedro começou a fazer também seções com uma psicóloga infantil. Passadas as seções pedidas, ela disse que ele era muito novo e como não interagia com ela, não se sentia confortável em ensaiar um diagnóstico. Disse também que não indicava mais terapia neste momento. Sugeriu voltar quando ele estivesse mais velho. Hoje, vejo claramente que, na verdade, ela não conseguiu interagir com o Pedro e nem criar um vínculo com ele. Como a dificuldade de interação dele não foi, naquele momento, um indício de algo? A insegurança desta profissional somente atrasou o diagnóstico do Pedro.

Com as terapias Pedro estava se desenvolvendo muito e já começava a se expressar, mesmo que utilizando poucas palavras. Estava ficando mais independente gradativamente e interagindo com o mundo e com outras pessoas, mesmo que a seu modo. Eu poderia estar satisfeita apenas com as terapias, mas eu não estava. Queria que alguém o examinasse com cuidado e me dissesse com certeza o que o Pedro tinha. Alguns me criticavam, dizendo que eu queria rotular meu filho. Mas para mim era um direito nosso. Foi então que decidi buscar um profissional que não tivesse procurado ainda: um psiquiatra infantil. Marquei consulta com uma médica e levei os exames que ele já havia feito. Mais uma vez a decepção: mais um profissional que consulta meu filho sem encostar nele e sem interagir com ele. Ela fez a entrevista comigo, olhou os exames, disse que achava “fantástico” ele já estar fazendo fono, fisio e T.O. aos três anos mesmo sem diagnóstico, pois geralmente os pais não aceitam que o filho é diferente. Relatei a ela como o Pedro estava se desenvolvendo com as terapias. Após a entrevista, ela chamou o Pedro pelo nome e ele olhou. Ela sorriu e disse: “Mãe, se eu tivesse que te dar um diagnóstico hoje, te diria que ele não tem nada. Continue com as terapias que ele vai se desenvolver”.

Após esta “superconsulta” de 15 minutos, qualquer mãe sairia do consultório explodindo de alegria. Era tudo que eu queria ouvir... Mas não! Não era! Poxa, era tão difícil alguém escutar uma mãe, olhar os detalhes com atenção! Eu sabia que o Pedro era diferente. Graças a Deus não era algo tão severo, mas “nada” certamente não era o diagnóstico. Cheguei em casa. Minha mãe estava ansiosa. Contei a ela sobre a consulta e sua reação foi como eu previa: “Graças a Deus! Que bom! Agora para de procurar ‘chifre em cabeça de cavalo’!”. Eu entendo sua reação, para ela era difícil a ideia de ter um neto especial. Não é fácil para ninguém. Após conversar com minha mãe, por alguns instantes, até acreditei que era neura minha. Seria tão mais fácil acreditar nesta última médica! Mais tarde, com a cabeça mais fria, conversando com meu marido, percebi que realmente era mais um profissional errado que tínhamos encontrado em nosso caminho.

Ficar na sala de espera de clínicas é uma rotina de qualquer mãe que acompanha seus filhos às terapias. Converso muito com outras mães, trocamos experiências, anseios e decepções. Em uma destas conversas, após relatar minha experiência negativa com médicos, uma mãe me indicou a neuropediatra de seu filho. O único problema é que era particular e o valor da consulta um pouco acima da média. Não pensei duas vezes e agendei uma consulta, com dois meses de espera.

Chegado o dia da consulta, a médica veio nos chamar na sala de espera. Ela estava observando como o Pedro reagiria quando fosse chamado. Observou também a maneira como ele caminhava até a sala. Ao entrar na sala, ela pediu que eu sentasse e foi brincar com o Pedro. Perguntava coisas para ele, pedia que fizesse algumas ações como pular, apontar, colocar a língua para fora... Após uns trinta minutos interagindo com o Pedro ela se sentou, fez uma entrevista demorada comigo, olhou detalhadamente os exames do Pedro que eu havia levado. Pediu vários exames complementares. Ela queria excluir todas as síndromes possíveis antes de fechar algum diagnóstico. Voltou, sentou o Pedro na cama, tirou toda sua roupa e o examinou como ninguém havia feito. A consulta durou umas duas horas. Saí de lá com pedido de um monte de exames, indicação para natação, equoterapia. Não tinha diagnóstico, mas tive a certeza de que agora seria acompanhado por uma médica que atenderia meus anseios. No final das contas, o valor pago por uma consulta de duas horas tão individualizada, não é tão caro assim.

Voltei com os exames e nenhum deles indicava alguma síndrome ou alteração. Ela nos disse que a única coisa que ainda poderíamos fazer era procurar um geneticista e fazer um exame genético mais completo. Porém, este é um exame muito caro que, por hora, não iremos fazer. Ela pediu que Pedro voltasse após seis meses para acompanhar seu desenvolvimento. Retornei em junho de 2016 e mais uma vez tivemos uma consulta minuciosa e demorada. Ao final ela me perguntou, com um sorriso fraterno, se eu tinha alguma dúvida sobre o diagnóstico. Eu, com muita serenidade, respondi que não. Foi então que ela disse que não tinha razão para me deixar sem um posicionamento, já que para ela também era claro que Pedro estava no Espectro Autista e que tinha Alto Desempenho. O alto desempenho do Pedro será assunto para outro post. O fato é que agora tenho um parecer de um médico. Posso lutar pelos direitos do meu filho. Posso ajudar as pessoas próximas a lidarem com ele, sejam amigos, familiares ou professores.

Este post longo foi um desabafo para que mães não se prendam ao primeiro diagnóstico. Procurem mais de um profissional. Quantos acharem preciso! Sigam seus corações. Não é à toa que aquele antigo ditado sobrevive a gerações: “Coração de mãe não erra! ”